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Integridade: quem for uma pessoa de bem, atire a primeira pedra
A recomendação do Conselho da OCDE sobre Integridade Pública (https://www.oecd.org/gov/ethics/integrity-recommendation-brazilian-portuguese.pdf) propõe que os aderentes à referida recomendação invistam em “liderança de integridade para demonstrar o compromisso da organização do setor público com a integridade”.
Segundo a referida recomendação, esse fomento à liderança de integridade deve se dar pela inclusão do atributo de liderança de integridade no perfil para gerentes em todos os níveis de uma organização, e ainda como requisito para seleção, nomeação ou promoção para um cargo de gerência. A OCDE finalmente indica que os gerentes devem ser apoiados em seu papel como líderes éticos, e devem ser periodicamente conscientizados a desenvolver habilidades sobre o exercício do julgamento apropriado em assuntos em que questões de integridade pública possam estar envolvidas.
É arriscado ler a recomendação da OCDE e assumir como premissa que seja possível estabelecer aprioristicamente o requisito do que significa o atributo de “liderança de integridade”. Talvez não seja possível aferir de forma objetiva que alguém é uma pessoa ética (ou uma pessoa de bem, conceito de viés duvidoso), e considerar essa condição (ser ético) como requisito para seleção de cargos. Na melhor hipótese, é possível indicar, com asseguração limitada (como fazem os auditores) que “não chegou ao nosso conhecimento” informação sobre envolvimento de um determinado agente em irregularidades administrativas.
Claro que esse tipo de verificação ou diligência (também chamado de exame da vida pregressa) é legítimo e recomendável. Apenas não é definitivo para atestar que um agente é “pessoas ou cidadão de bem”.
A OCDE reconhece que esse atributo (o ser íntegro) não é condição inerente ao indivíduo, ao indicar em sua recomendação que os gerentes devem ser “periodicamente conscientizados”. Há determinados atributos intrínsecos, que se automatizam em nossa prática e dos quais dispomos sem precisar que sejamos “lembrados”. O atributo de “saber dirigir” é o clássico exemplo. Passamos as marchas do carro e usamos os pedais de freio e embreagem sem racionalizar, sem que precisemos ser lembrados. Não funciona assim com a integridade. Nessa dimensão, precisamos de uma voz da consciência em permanente estado de alerta, sendo lembrada e ativada pelos mecanismos institucionais como os códigos de ética e de conduta.
Não há servidores públicos (ou cidadãos) que possam ser reconhecidos como “pessoas de bem”. O “ser de bem” ou dizendo melhor o “ser ético” é equilíbrio constante. Ou talvez seja uma sequência interminável de pequenos desequilíbrios. A integridade se faz no movimento, na ação do dia a dia do agente público. Não há integridade nas estátuas inertes. A inteireza ou integridade se dá na ação, regida pela reflexão crítica, pelos valores, pelo propósito do serviço público em que se engaja um determinado agente, nas mais diversas áreas em que se deve servir ao público: na saúde, na educação, na segurança, no meio-ambiente, na economia.
O perigo de que sejam estabelecidos requisitos daqueles que são “de bem” é que resvalemos na pobreza de uma avaliação binária em que, em regra os que pensam como eu são considerados “pessoas de bem”, e os que de mim discordam não devem ser lá gente tão boa assim.
Acerta a Recomendação da OCDE, ao asseverar que os gerentes devem ser apoiados. Quem já está pronto e se considera intrinsecamente uma “pessoa de bem” não precisa de apoio. Se considera pronto e acabado, não suscetível a falhas, erros e riscos à integridade. O primeiro e melhor passo para mitigar esse tipo de risco talvez seja exatamente o reconhecimento de que mesmo os tais “servidores de bem” também são suscetíveis. No mínimo ao erro e às falhas. Mas talvez também a pequenos e inofensivos delitos. E quem é suscetível aos pequenos delitos, estará exposto ao alcance de esquemas mais graves de fraude e corrupção.
Vale, no campo da Integridade, a auto-vigilância perene, o “desconfiar da própria sombra” e não arvorar-se em se considerar detentor do monopólio da ética e da virtude. Questionar as próprias convicções e atitudes, rever os próprios comportamentos tóxicos e duvidar de sua própria bondade e integridade talvez sejam boas práticas para o amadurecimento da integridade nas organizações públicas.
Francisco Bessa
Bacharel em Ciências Econômicas e Mestre em Controladoria pela Universidade Federal do Ceará. Auditor Federal de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União – CGU e Chefe da Assessoria Especial de Controle Interno do Ministério da Economia. Atuou como Secretário Federal de Controle Interno da CGU e Assessor de Controle na Casa Civil e no MEC. É professor universitário na área de contabilidade gerencial, ética e mercado financeiro. É auditor certificado (Certified Government Auditing Professional – CGAP) pelo IIA. Formado pelo Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia – CAEPE da Escola Superior de Guerra, pelo Programa Minerva em Economia pela George Washington University e pelo Programa Executivo de Competências para Liderança pela Universidade de Indiana. Foi Superintendente Financeiro do Banco do Nordeste e Presidente da Empresa de Assistência Técnica Rural do Estado do Ceará (Ematerce).