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Integridade: é preciso despir-nos do narciso nosso de cada dia
A discussão sobre integridade nas organizações e notadamente no setor público remete a distintas dimensões: processos e pessoas.
Os processos são íntegros quando estão claramente descritos, comunicados e, de preferência, contam com um portfólio de riscos operacionais adequadamente identificados, avaliados e tratados. Se tais requisitos existem e funcionam, é possível concluir que há integridade nos processos.
As pessoas não são íntegras de forma binária. É perigoso “aferir” a integridade de alguém a partir da resposta “Sim/Não”. No campo da ética e da integridade não cabe apenas a opção do ser ou não ser íntegro. As pessoas têm comportamentos mutáveis, influenciados por suas crenças, suas histórias, seus valores, seus traumas, seus vieses. As pessoas são surpreendentes. Migram em fração de segundos por uma avalanche de sentimentos, emoções, pensamentos. As pessoas se desintegram e se reconstroem várias vezes ao longo do dia. É como aquela máquina de teletransporte do seriado Star Trek¸que desintegrava o capitão Kirk e a tripulação da cabine de comando daEntreprise e os reconstruía inteiros (íntegros) na superfície de algum planeta. A minha inteireza (ou integridade) precisa ser reconstituída diariamente, num processo em que a interação com os outros e o gerenciamento dos conflitos me desconstrói e reconstrói continuamente.
A integridade das pessoas se dá nos relacionamentos e no exercício da empatia. Pessoas somente são inteiras quando conseguem enxergar o outro, mas não como meras projeções de si mesmas, de seu narciso. Sou íntegro quando me relaciono com o outro desafiando minha arrogância (intelectual, emocional, profissional) e dou espaço ao exercício do conflito, mediado pelo diálogo e pelo respeito mútuo. Me desintegro (e portanto me deterioro) quando anulo o outro, quando sou movido pelo desejo egóico de destruir pelo confrontoqualquer um que se apresente como meu (potencial) oponente.
Não há integridade intrínseca, ou seja, integridade pré-fabricada, herdada ou “ensimesmada”. Tudo o que é intrínseco é (ou existe) independente das relações com outras coisas. Não há integridade intrínseca, já que se trata de um atributo que se manifesta necessariamente nos relacionamentos. É possível aferir características que são herdadas geneticamente, e por isso são intrínsecas. Não há servidor público ou cidadão sobre quem se possa aferir que seja genuinamente ou intrinsecamente íntegro. Integridade é exercício diário, prática e escolha cotidiana, ancoradas nas crenças, convicções e valores.
Quando obtemos um “visto” em nossos passaportes, temos passe livre para entrada em determinado país. Não há, no entanto, um “passe livre” quanto à integridade pessoal. É possível, no mundo das organizações, oferecer um “selo” de ética ou integridade em face da conformidade com o cumprimento de determinados requisitos, tais como: existência de códigos de conduta, de canais de denúncias, de ritos apuratórios, de práticas de gestão de riscos. É meritório oferecer tais “selos” no mundo das organizações.
Mas quando se trata de pessoas naturais, esses ”selos” não durariam mais que um dia. Daí o esforço paciente e incansável para a promoção de uma espécie de “imunização” diária pela ética e pela integridade. Mesmo que hoje eu seja percebido como uma pessoa íntegra, corro o risco de que amanhã minhas feridas narcísicas me façam pisar nos outros como em insetos. Hoje me recomponho, amanhã me desintegro.
Seria bem mais fácil que a integridade organizacional fosse um atributo apenas dos processos. Selo conferido, integridade devidamente verificada pelas ações de compliance. Com gente não é assim, pois mesmo aqueles que se consideram “pessoas de bem” precisam ser alertados para não ceder aos arroubos de seus próprios narcisos. Os valores organizacionais são ferramentas úteis a esse propósito: lembrar, sensibilizar, colocar as consciências em estado de alerta. Pessoas são inteiras (íntegras) numa dinâmica de aproximações sucessivas. Quando vou me despindo do meu narciso arrogante, desinteressado, apático ou grosseiro e acolho empaticamente as pessoas com quem diariamente me relaciono.
Integridade é assim: é coisa de gente que se relaciona com gente. O dia todo. Todo dia.
Francisco Bessa
Bacharel em Ciências Econômicas e Mestre em Controladoria pela Universidade Federal do Ceará. Auditor Federal de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União – CGU e Chefe da Assessoria Especial de Controle Interno do Ministério da Economia. Atuou como Secretário Federal de Controle Interno da CGU e Assessor de Controle na Casa Civil e no MEC. É professor universitário na área de contabilidade gerencial, ética e mercado financeiro. É auditor certificado (Certified Government Auditing Professional – CGAP) pelo IIA. Formado pelo Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia – CAEPE da Escola Superior de Guerra, pelo Programa Minerva em Economia pela George Washington University e pelo Programa Executivo de Competências para Liderança pela Universidade de Indiana. Foi Superintendente Financeiro do Banco do Nordeste e Presidente da Empresa de Assistência Técnica Rural do Estado do Ceará (Ematerce).