Integridade e o fetiche do sucesso: onde estão escondidos os nossos fracassos?

A estruturação das áreas de integridade, governança, compliance, conformidade, gestão de riscos, controles internos, ética (e o que mais couber no conceito de 2ª linha do modelo de 3 linhas) tem sido evidente nos últimos anos, notadamente no setor público. Esse movimento é extremamente relevante, ainda que seja eventualmente errático e assimétrico, com algumas organizações que já se posicionam com elevada maturidade, um grupo (maior) que atende ao requisito da “existência” dos ritos de integridade em suas estruturas e ainda peleja na busca de efetividade, e um grupo que não atende sequer ao requisito das aparências (seja por algum desleixo ou por considerar essa pauta pouco importante).

Na medida em que especialmente a questão da integridade ganha força institucional (vide a recente criação do Sistema de Integridade Pública do Poder Executivo Federal com o Decreto 10.756/2021 – D10756 (planalto.gov.br)), é natural que mesmo as organizações que adotam uma postura de negacionismo em relação à importância do tema, cedam ao imperativo estabelecido nas normas e decretos que tratam explicitamente sobre o assunto.

Esse arcabouço normativo, patrocinado pela Controladoria-Geral da União (CGU), tem dado o tom sobre a sistematização das práticas e mecanismos de promoção da integridade, com destaque para a gestão de riscos à integridade, as ações de capacitação e mobilização dos servidores e dos stakeholders para a adoção de práticas e comportamentos éticos.

Na esteira do patrocínio normativo e institucional, os profissionais que atuam nas áreas de integridade têm gradualmente ampliado seu raio de influência e atuação. Até certo ponto é esperado que assim seja: um tema ganha relevância (conjuntural ou estrutural) e os profissionais afetos ao assunto passam a estar na crista da onda.

Há no setor público uma pressão e um imperativo pelo sucesso que parecem ter alcançado esses profissionais da integridade. Claro que, como servidores públicos, estamos todos pressionados (e deve ser assim) por fazer as entregas reclamadas (com urgência e intensidade) pela sociedade. Por outro lado, o “sucesso” (o uso das aspas é proposital) parece ter se constituído, na era das redes sociais, em um imperativo da comunicação institucional nos órgãos públicos. Um rápido repasse pelas páginas institucionais ou publicações de profissionais de compliance e integridade em redes sociais (inclusive profissionais) evidencia que não há sequer um único “fracassozinho” que tenha ensinado algo aos gurus, heróis e obstinados gestores e servidores públicos, que não parecem conhecer o vale escuro a que se refere o autor bíblico do salmo 22. Só há relatos e celebrações de êxitos e sucessos. E parece que nas áreas de integridade não é diferente. É só sucesso. Será?

É indiscutível a relevância da replicação de boas práticas e experiências que deram certo, mas parece pouco crível que os programas de integridade ou compliance que tem sido executados sejam narrativas irretocáveis, em que todos os requisitos desses programas tenham sido cumpridos à perfeição, quase que indicando que os gurus da integridade teriam uma espécie de “toque de Midas”.

Não será o sucesso aparente das ações de integridade que garantirá sua perenidade e, mais importante, sua efetividade. Aprenderemos de forma consistente (ainda que dolorosamente) com os fracassos, com os erros. Os holofotes do mainstream da integridade, os aplausos e os elogios podem até servir de unguento para as feridas narcísicas dos profissionais da integridade, mas não são garantidores de que essa agenda seja incorporada nos órgãos públicos de forma sustentável e sistemática.

O tempo, a persistência, a disciplina (e alguns fracassos) talvez sejam ingredientes mais eficazes para o aprimoramento da atuação das áreas de integridade no setor público. De tão inalcançáveis, as trajetórias heróicas de sucesso de alguns programas de integridade e compliance correm o risco de se limitarem a meras narrativas midiáticas.

Não se trata de fazer a apologia da fragilidade e do fracasso, mas um pouco de moderação do discurso e a aplicação de alguns descontos aos “casos de sucesso” podem ser mais úteis para mobilizar as iniciativas de integridade na grande maioria dos órgãos do setor público.

Autor:

Francisco Bessa

Auditor Federal e de Finanças da CGU