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Como aumentar a efetividade do Sistema de Controle Interno?
Patricia Alvares (1)
Marcus Braga (2)
Reverberando o previsto no Art. 74 da Constituição Federal de 1988, a lei nº 10.180, de 6 de fevereiro de 2001, fruto de sucessivas reedições derivadas da Medida Provisória nº 480/94, que criou a Secretaria Federal de Controle (SFC), traz em si, fruto do espírito de uma época (Zeitgeist), uma visão do governo federal dividido em sistemas (orçamento, finanças, contabilidade e controle), o que foi ratificado na parte do controle interno no Decreto n° 3.591/2000, que regulamentou a referida lei, ainda que tardiamente à edição original da Medida Provisória. Documentos até hoje vigentes e que, apesar da enxurrada de inovações nessas duas últimas décadas, ainda orientam as ações dos controladores na esfera federal, com mimetismos na esfera subnacional.
Como primeiro sistema relacionado às atividades de accountability a ser criado, o Sistema de Controle Interno foi pensado incialmente para abarcar todas as atividades de Controle Interno Público. Com o aumento da percepção de necessidade de especializações temáticas para a melhoria do controle governamental, com a adoção de um modelo predominante de macrofunções organizadas em uma controladoria (BRAGA, SANTOS, 2016), derivado da Controladoria-Geral da União (CGU), outros sistemas foram criados a partir dos anos 2000.
No âmbito federal, foram criados os sistemas de Corregedoria (Decreto nº. 5.480/2005), Ouvidoria (Decreto nº 9.492/2018) e Integridade (Decreto nº 10.756/2021), que tiveram seus reflexos nas esferas subnacionais, trazendo a necessidade de que essas atividades sejam coordenadas em fluxos definidos e com a responsabilidade dos atores bem delimitada, dada a relevância e a transversalidade da atuação no campo da accountability, em especial pelo fato de envolverem atores inseridos no seio das organizações, criando-se assim a demanda de canais técnicos entre os integrantes desses sistemas.
Quando falamos em sistemas, pensamos em um conjunto de elementos que compõem um todo, cada qual com uma função. A Teoria Sistêmica, elaborada a partir de princípios biológicos, em uma abordagem organicista, nos remete a conceitos como interdependência, diversidade, interlocução. Essa visão dialoga com teorias institucionalistas, que falam de arranjos e da governança de atores, usando mecanismos de incentivo, de coerção ou típicos de relações em rede.
Agregados, os elementos de um sistema fazem com que novas propriedades surjam desse conjunto estabelecido, não existentes nos elementos isolados (Uyemov, 1975). Nesse sentido, um sistema pressupõe um todo inter-relacionado, cujo processo de retroalimentação é constante, e que gera uma nova entidade per si. Ao se adotar um modelo sistêmico, como no caso do Sistema de Controle Interno, o que se espera é incluir e organizar todos os atores relacionados a esse tema, para gerar uma ação coordenada e mais eficaz, respeitando a autonomia desses atores.
Tratando-se mais detidamente da função controle interno (ou auditoria interna, em uma visão mais precisa conceitualmente), destaca-se, nesse sentido, que o já citado Decreto nº 3591/2000 inseriu a obrigatoriedade da existência de unidades de auditoria interna em todas as entidades (Empresas públicas, fundações e autarquias) da Administração Pública Federal, e atribuiu à SFC-Secretaria Federal de Controle Interno, hoje uma das macrofunções da CGU, a competência de orientação normativa e também de supervisão técnica dessas unidades. Como regulamentador, o decreto não inovou inserindo as Auditorias Internas no Sistema de Controle Interno, mas na prática, não teria sentido que as mesmas não fizessem parte do sistema, dado que todos atuam de forma interdependente e necessitam de forte interlocução e coordenação.
Um marco nesse sentido foi o Referencial Técnico de Auditoria Interna Governamental, de 2017, que reforçou o desenho orgânico de um sistema, na medida em que identificou como Unidades de Auditoria Interna Governamental (UAIG) tanto as unidades de auditoria singulares nas entidades, quanto as unidades integrantes do Sistema de Controle Interno classificadas habitualmente como órgãos de controle.
Uma certa horizontalidade nessa relação, na qual todos, Auditores da CGU, das CiSet (Controle Interno setorial de alguns ministérios, como a Defesa), e os auditores das diversas unidades de auditoria interna espalhadas nas entidades do Governo Federal, são, na verdade, UAIG, unidades de um mesmo sistema e que concorrem, de forma coordenada, para uma finalidade comum, cada qual com o seu conjunto de atribuições anteriormente definida e certo grau de autonomia, sem prejuízo da necessidade de um órgão central, uma instância de governança desse sistema.
Em virtude do que foi exposto, surge um corolário: Quanto mais o Sistema de Controle Interno funcionar como tal, mais efetivo ele será. Isso se dá pelo fato de que essa visão coordenada entre os atores aumenta a sinergia, que reduz lacunas de atuação, evita superposições e facilita, inclusive, o aproveitamento de trabalhos e a adoção de iniciativas, essenciais no trabalho de auditoria interna. Resultados que dependem diretamente da compreensão das partes e das suas características, para identificar de que forma cada engrenagem pode contribuir com o seu bom funcionamento, potencializado por uma instância de coordenação.
As peculiaridades da rede de auditorias internas, das diversas UAIG no contexto do Governo Federal, que tem características que se replicam nos estados e municípios de maior porte, é uma diversidade de estruturas, de remunerações, de carreiras e de formações, em um conjunto que precisa ser visto como um sistema com relativo grau de organicidade para que essas características sejam fonte de complementariedade e de desenvolvimento entre as partes e não de competição e de enfraquecimento dos elos mais fracos dessa corrente.
Algumas UAIG têm experiências exitosas que poderiam contribuir para o debate sobre a forma de atuação. Da mesma forma, da instância de coordenação poderia vir a indução para resolver problemas centrais, estimulando-se, assim, que iniciativas Top Down e Bottom Up coexistam na dinâmica do sistema, de forma que juntos possam ser construídas pontes que amplifiquem a atuação do Sistema como um todo, trazendo mais impacto para a atividade de auditoria interna governamental.
Qual seria, então, o caminho para esse sistema se tornar mais sistema e consequentemente, mais efetivo? O primeiro é a existência de base normativa, com regra do jogo clara e comum para todos, o que se deu com a IN n° 03/2017- Referencial Técnico de Auditoria Interna Governamental, mas que necessita, forçosamente, ser potencializado por um novo Decreto que substitua o nº 3.591/2000, inserindo formalmente as UAIG no sistema, entre outras coisas.
Um segundo passo seria a interiorização dessa normativa no contexto diverso do Sistema de Controle Interno, o que demanda treinamento, sensibilização, mas também estrutura e investimento. Uma interiorização que rompesse, inclusive, um certo insulamento, natural, mas que não pode ser excessivo, desse Sistema em relação a gestão, aumentando a sua empatia, em uma visão mais dialógica, e de caráter Bottom Up, lembrando que isso tudo existe para uma gestão mais efetiva das políticas públicas.
O terceiro ponto seria a promoção de interação entre os diversos fóruns que tratam do tema, liderados pela CCCI (Comissão de Coordenação de Controle Interno), ampliando a interlocução entre arranjos já existentes, como a recém criada Rede UAIG, as ações da UNAMEC (União Nacional dos Auditores do Ministério da Educação) e do FONAI (Associação Nacional dos Servidores Integrantes das Auditorias Internas), bem como as recentes estruturações ocorridas no antigo DENASUS, sem desconsiderar a gestão como um ator relevante. Afinal, o Sistema é de controle “interno”.
Não há sistema sem encontro, sem interação que permita o Top down e o Bottom up ocorrerem, fortalecendo a horizontalidade e a integração entre esses agentes, seja nos dias de paz de cursos e seminários, seja nos dias de lutas de ações de controle integradas e projetos de construção coletiva de normas e procedimentos.
Por fim, mas não menos importante, é necessário que os governos vejam que a auditoria interna não se improvisa. Necessita de estabilidade, de profissionalismo, e isso resulta em olhar a situação de encarreiramento desses profissionais, que se reflete em uma diversidade de carreiras espalhadas pelas diversas entidades, com algumas que se utilizam de servidores de outras carreiras estranhas a essa atividade, sendo um ponto que precisa de atenção no futuro do sistema de controle interno.
Outras discussões similares, como da ouvidoria, da corregedoria e da integridade, renderiam artigos nesse sentido. Mas, este artigo teve como foco a função Auditoria Interna, a mais antiga destas, com ligações diretas com o gestor, com o Tribunal de Contas e com outros órgãos de controle, e que, pelo seu caráter transdisciplinar, demanda um arranjo sistêmico, no qual muito se caminhou nesses vinte anos, mas que ainda demanda muitas oportunidades de melhoria que precisam ser construídas.
Referências:
BRAGA, Marcus Vinicius de Azevedo; SANTOS, Franklin Brasil. Do paradoxo a efetividade: a controladoria pública como um instrumento de um estado mais eficiente e uma sociedade mais participativa. In: BLIACHERIENE, Ana Carla; BRAGA, Marcus Vinicius de Azevedo; RIBEIRO, Renato Jorge Brown (Org.). Controladoria no Setor Público. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 375-392.
UYEMOV, A. Problem of direction time and the laws of system’s development. In Entropy and Information in science and philosophy. Edited by Libor Kubát and Jiří Zeman Elsevier Sc Publ. Co., 1975, pp. 93-102
Autores:
(1) Auditora Federal de Finanças e Controle. Doutoranda em Políticas Públicas (ENAP). Auditora Chefe do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade- ICMBio.
(2) Auditor Federal de Finanças e Controle. Doutor em Políticas Públicas (UFRJ). Auditor Chefe do Hospital Universitário Gaffreé e Guinle (HUGG-UNIRIO-Ebserh).