Assédio moral e sexual no serviço público não podem mais ser tolerados, alertam especialistas

Prevenção e combate a condutas agressivas foram debatidos em Encontro Estadual promovido pela CGE e Seplag

Refletir sobre a forma de produção e organização de trabalho, mudança de cultura nas relações interpessoais no ambiente de trabalho, promover a prevenção e a punição de casos de assédio moral e sexual no serviço público. Essas foram as principais pautas discutidas no Encontro Estadual de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Moral e Sexual no Serviço Público, realizado neste mês pela Controladoria Geral do Estado (CGE) e Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag).

A palestra de abertura ficou a cargo da procuradora federal da Advocacia-Geral da União (AGU), Roberta Negrão, que falou sobre sua experiência na coordenação do Programa de Auxílio à Prevenção e de Combate ao Assédio Sexual da Procuradoria-Geral Federal (PGF). A AGU e a PGF representam judicial e extrajudicialmente a União e as suas autarquias e fundações federais.

Os objetivos gerais do programa são viabilizar a atuação proativa no assessoramento jurídico às instituições federais, uniformizar os entendimentos jurídicos quanto ao enquadramento legal do assédio sexual e disseminar boas práticas relacionadas à prevenção.

Mas por que falar de assédio sexual no serviço público? “Por causar prejuízo à imagem da instituição perante a sociedade, degradação das condições de trabalho, aumento de doenças profissionais e acidentes de trabalho e alterações constantes de lotação ou posto de trabalho”, argumentou a procuradora.

Na explanação, ela explicou que a delimitação do conceito de assédio sexual deve envolver a análise do contexto, da conduta e da intenção do agente público. “O comportamento pode ser qualificado como adequado ao padrão esperado abstratamente aos servidores públicos? O objetivo da ação buscou a consecução do interesse público ou do interesse particular do agente? O autor está tomando de empréstimo a veste formal da função pública para satisfazer sua lascívia pessoal?”, destacou a procuradora.

Para explicar quando o comportamento de um agente público pode ser configurado ou não como assédio, a palestrante invocou o Acórdão nº 456/2022 do Tribunal de Contas da União (TCU).

Na normativa, o TCU define como prática de assédio, para citar algumas condutas, a proposta sexual feita com insistência, ameaça ou pressão mediante promessas de tratamento diferenciado, benefícios ou recompensas; intenção de valer-se do posto funcional como atrativo ou como instrumento de extorsão de privilégio; insinuações sexuais inconvenientes e ofensivas; abuso verbal ou comentário grosseiro, humilhante, embaraçoso ou sexista.

Sendo assim, a palestrante frisou que, no conceito jurídico, o assédio sexual é interpretado como conduta dolosa, seja ela verbal ou não (atos, gestos, mensagens), que causa constrangimento e viola a liberdade sexual, em que há resistência da vítima e uso de chantagem ou intimidação do assediador.  “Diferentemente do assédio moral, o assédio sexual não demanda reiteração para sua configuração”, advertiu a procuradora.

Na mesma decisão, o TCU traz situações que não são caracterizadas como assédio sexual. Entre elas, tentativa de aproximação para relacionamento amoroso ou mesmo sexual com o colega de trabalho; tentativa de sedução do colega de trabalho, superior ou inferior hierárquico; paquera recíproca;  proposta sexual feita sem insistência e sem ameaça ou pressão; comentários normais ou elogiosos.

E como prevenir a ocorrência de assédio? Para a procuradora, é preciso estabelecer política institucional de gestão da ética e da integridade, apurar e punir as violações denunciadas, disponibilizar canal de denúncias, treinar e capacitar servidores e fazer constar no código de ética do servidor medidas contra o assédio.  “Adotando essas medidas estamos propiciando ambientes de trabalho mais seguros e sadios”, observou a palestrante.

Segundo a procuradora, outro ponto crucial no combate ao assédio sexual é não fazer vista grossa para ele. “Estamos em uma sociedade em que determinadas condutas, que no passado já foram aceitas, hoje não são mais toleradas. E isso tem que ter o enfrentamento institucional, dos servidores e da comunidade.”

Assédio moral

A segunda palestra teve como foco o assédio moral, suas causas e consequências, em especial para o assediado. Contudo, para o assediador e para a administração pública também há danos.

Para o pesquisador da Universidade de Campinas (Unicamp) e doutor em Psicologia Social, José Roberto Heloani, a forma de organização do trabalho colabora para práticas de abuso de poder e assédio moral, porque induz à competitividade para o cumprimento de metas e privilegia a produção em detrimento do ser humano.

“A forma de organizar o trabalho tem que ser compreendida, tem de ser estudada. Temos que fazer a pergunta tanto na esfera pública quanto na esfera privada. É exequível esta forma de trabalhar? É possível de fato? Nós temos um ambiente saudável?”, chamou à reflexão.

O  pesquisador, fundador do primeiro site sobre assédio moral no Brasil, argumentou que o modelo de organização de trabalho tem como característica o ambiente de solidão. As pessoas trabalham juntas, mas se sentem sozinhas, o que favorece as táticas do assediador, segundo o pesquisador. “Uma pessoa isolada tem dificuldade de avaliar e reconhecer uma situação de assédio tal como ela é”, pontuou.

Uma das saídas para evitar a agressão e a solidão no serviço público é a mudança da lógica da organização do trabalho, de competição para colaboração. “Quando você ensina a sinceridade e a solidariedade, as pessoas se desarmam”, observou.

Para o pesquisador, o assédio moral caracteriza-se pela intencionalidade, pela  constante e deliberada intimidação e desqualificação da vítima. Uma das consequências é o enfraquecimento psíquico do assediado, levando à depressão, ao afastamento do trabalho e até ao suicídio.

Diante de uma situação de assédio moral, Heloani recomenda à vítima não se isolar, apoiar-se nos amigos e familiares, procurar ajuda psicológica e denunciar a prática abusiva às autoridades competentes. “Todos temos o direito de trabalhar em um lugar saudável”, ponderou

Debatedores

Como debatedores sobre assédio sexual, o Encontro Estadual contou a participação da procuradora do Trabalho, Marcela Guimarães Santana, e do filósofo clínico e servidor da CGE-MT, Douglas Remonatto.

Os debatedores sobre assédio moral foram o pesquisador do Núcleo de Estudos Ambientais, Saúde e Trabalho da UFMT e professor de Psicologia, Maelison Silva Nunes, e a procuradora do Estado e presidente da Comissão Estadual da Mulher Advogada da OAB-Seccional Mato Grosso, Gláucia Amaral.

No Estado

Na programação do evento, as equipes técnicas da CGE e da Seplag também explanaram sobre prevenção e enfrentamento do assédio moral e sexual no Poder Executivo do Estado de Mato Grosso.

Os técnicos falaram sobre como denunciar casos de assédio, como é feita a apuração disciplinar e como funciona o acompanhamento psicossocial ao servidor assediado.

Para ver ou rever o Encontro Estadual, clique AQUI.

Fonte:

CGE-MT