Possíveis caminhos para o aprimoramento dos mecanismos de governança do novo Fundeb

Marcus Vinicius de Azevedo Braga (1) 

 

  1. Introdução: 

 

O presente artigo visa, baseado nos estudos acadêmicos conduzidos pelo autor em Bliacheriene et Al. (2017) e Braga (2011,2016,2019), analisar e se arriscar a propor medidas de aprimoramento dos mecanismos de governança, tomando como base a proposta difundida na imprensa, por meio do Projeto de Lei n ͦ 4372/2020, proposto em 27/08/2020 pela Deputada Federal  Professora Dorinha Seabra Rezende – DEM/TO,  e que tem como propósito regulamentar o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB,  e que dentre outros temas, tal PL necessita tratar de questões relativas à transparência, o monitoramento, a fiscalização e o controle interno, externo e social deste fundo, de acordo com o contido no item d, Inciso X, da recém promulgada Emenda Constitucional nº 108, de 26 de Agosto de 2020. 

 

A discussão trazida pelo artigo, em breves linhas, se justifica pela necessidade de se construir subsídios sobre o aprimoramento da governança pública (BRASIL, 2017) do principal mecanismo de financiamento da educação básica, revisitado e tornado permanente pela Emenda Constitucional nº 108/2020, e que se apresenta como a espinha dorsal do financiamento da Educação Básica, política essencial para o desenvolvimento do país. Afinal, financiamento e controle são lados da mesma moeda. 

 

  1. Contexto do controle da política educacional descentralizada 

 

O desenho Fundef/Fundeb que se consolida no Brasil, uma construção iniciada na década de 1990, tem a peculiaridade de envolver todos os entes da federação, o que torna o processo de accountability (2) da aplicação desses recursos complexo, com um histórico relevante de constatações de irregularidades dos órgãos de controle (BRAGA; 2011,2019), com destaque para Duarte Júnior (2017), que no estudo das operações especiais da Controladoria-Geral da União-CGU em parceria com outros órgãos, de 2003 a 2016, indicou que nesse período foram realizadas 247 ações desse tipo, indicando que na Política Educacional o Fundeb responde por 38% dos casos, seguido pelo PNAE (24%) e PNATE (19%). 

 

Trata-se de um fundo robusto e abrangente, atendendo um universo de cerca de 48 milhões de alunos, conforme dados do Censo Escolar de 2019, praticamente um quarto da população do país,  com uma receita anual da ordem de R$ 150 BI (Ref.2019), constituindo mais de 50% dos recursos aplicados na Educação em 2,6 mil municípios (3), ou seja, essencial para a concretização da política. Um gigante do financiamento educacional, cuja discussão da provisão dos recursos suplanta a discussão do controle destes, mas essa segunda temática é extremamente necessária, por afiançar a efetividade desses recursos. 

 

Face a esse contexto de relevância desses recursos para a Política de Educação Básica, implementada pelos municípios e estados, com  assistência técnica e financeira da União, nos termos do Art. 211 da Constituição (BRASIL, 1988), e pela complexidade dos múltiplos atores envolvidos nessa implementação, o que traz riscos ao processo de implementação, faz-se necessário uma análise do que virá em termos de controle dos recursos, e elegeu-se o projeto de lei de regulamentação ( n ͦ 4372/2020) da Emenda Constitucional nº 108/2020, adotando-se as categorias de análise: i) Controle Institucional; ii) Controle Social; e iii) Controles Internos, adotando-se o paradigma de análise de uma estrutura de accountability utilizado por Bliacheriene et Al. (2017), também para análise do Fundeb, de modo a sistematizar saberes que podem ser uteis nesse processo de discussão da presente regulamentação.  

 

Cabe registrar que, como o Fundeb regido pela  Lei n ͦ 11.494/2007 se extingue ao final de 2020, um ano por si só muito confuso, por conta da pandemia do Novo Coronavirus, o processo de regulamentação tem sido conduzido de forma expedita, para não prejudicar o financiamento da política, coroando o esforço dos atores que lutaram pela construção do novo Fundeb. 

 

  1. Análises e proposições em relação ao Projeto de Lei. 

 

3.1- Controle Institucional 

 

O controle institucional é aquele exercido pelos órgãos de controle interno e externo detalhados na Seção IX da Constituição (BRASIL, 1988) e presentes na esfera federal, estadual e municipal, no que couber, de caráter avaliativo, propositivo e sancionatório. 

 

O quadro a seguir sistematizará a análise, pautada nas informações contidas em Bliacheriene et Al. (2017); Braga (2011,2016,2019); e Brasil (2009, 2011, 2013): 

 

Quadro I-Proposições de controle institucional 

 

Quesito 

Situação no PL 4372/2020 

Lacuna identificada 

Proposição 

Definição de atribuições fiscalizatórias 

O artigo 32 do PL repete ipsis litteris o artigo 26 da Lei 11.494/2007, e com isso desconsidera o caráter interfederativo do Fundeb. A questão da competência de fiscalização da complementação da União pelo TCU continua no Inciso III do Art. 32, mas foi esse mesmo texto que causou conflitos hermenêuticos nesses treze anos de Fundeb, que coincidiram com uma ação mais intensa da União na fiscalização das políticas descentralizadas, o que se comprova, inclusive, pela edição da Instrução Normativa – TCU nº 60, de 4 /11/2009, na tentativa de regular essa fiscalização concorrente. Ocorreram questionamentos jurídicos, como a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5532/2016) ajuizada pelo Partido Solidariedade, e que por fim reconheceu a possibilidade de fiscalização do Fundeb pela CGU. O art. 36, Inciso V também traz dubiedades, pois atribui ao MEC uma função de monitoramento, utilizado o mesmo texto da lei anterior, e que pode induzir um papel ao MEC como gestor federal deste recurso, o que não coaduna com o desenho peculiar do Fundeb. 

Mantém a dubiedade da competência fiscalizatória e de julgamento de contas em relação a aplicação dos recursos nos municípios, em especial em relação aos recursos da complementação da união.   

O ponto nevrálgico dessa discussão é a existência de dois órgãos, TCU e TCE, que tem poder fiscalizatório concorrente sobre os recursos, sendo que estes tem a sua prestação de contas formal na sua integralidade encaminhada para os TCE conforme art. 33 do PL, o que pode gerar conflitos e superposições nesse processo de auditoria e recomendações dos órgãos de controle interno e externo. No que se refere ao Parquet, essa situação é pacificada, pois o § 2ºdo art. 35 admite o litisconsórcio dos diversos MP no Fundeb. 

Que seja definido mais claramente o papel fiscalizador do TCU, e consequentemente da CGU (Art. 70 da CF/88), no que se refere à complementação da União, e seu aspecto concorrente com os Tribunais de Contas Estaduais, em especial na relação desses resultados de fiscalização encaminhados e seus efeitos nas contas do Fundeb prestadas aos Tribunais de Contas Estaduais, conforme Art. 33 do PL. A Instrução Normativa – TCU nº 60, de 4 /11/2009 é um bom modelo. 

Outra sugestão é detalhar mais o art. 36, Inciso V, para que seja explicitado o papel do MEC no monitoramento, que se limitaria ao papel de avaliação do cumprimento dos índices constitucionais e não de um gestor federal concedente de recursos, como nas transferências fundo-a-fundo o voluntárias. 

Prestação de contas 

O art. 33 repete o art. 27 da Lei 11.494/2007, deixando o detalhamento a cargo dos procedimentos de cada TCE em relação ao julgamento de contas.  

Como cada TCE tem seu fluxo de julgamento de contas, não existe uma visão ampla e nacional das contas dos Fundeb, ou seja, da qualidade de sua aplicação, o que prestigia pouco o seu aspecto programático e finalístico, sintonizado com uma ideia de desempenho, moderna em termos de accountability em âmbito mundial.  Apesar de ser um fundo de execução estadual, ele tem um caráter de política nacional, em especial pelo fato de a política educacional ter ligação direta com a ideia de desenvolvimento, além de uma natureza intergeracional e que ultrapassa fronteiras políticas.  

Uma das sugestões que poderia ser aplicada é a construção de um Portal Nacional do Fundeb que, dentre outras informações consolidadas, apresente  painéis com a situação do julgamento das contas do Fundeb de cada município pelos TCE ao longo dos exercícios, indicando aqueles que prestaram contas, e quando julgadas, que veredito foi atribuído a estas. Tal medida fortalece o controle social e amplia a visão integral do financiamento da Política educacional, para além de aspectos de índices de aplicação de recursos, mas em um aspecto qualitativo.  

Detalhamento da aplicação dos recursos 

O art. 25 do PL vincula as despesas do Fundeb a aplicação na Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) para a educação básica pública, conforme disposto no art. 70 da Lei nº 9.394/1996 (LDB), repetindo o paradigma da Lei 11.494/2007, sem citar as vedações do art. 71 da LDB. O art. 29 indica o MDE só no art. 71. O art. 7, parágrafo 3, só fala do art. 70. Tal ponto na lei anterior podia dar margem a  indefinição do detalhamento do MDE no art. 70/71 da LDB e isso afeta diretamente   o processo de fiscalização e de julgamento de contas, com a existência de múltiplas hermenêuticas no país do mesmo fundo, pautados por uma lei da década de 1990.  

A aplicação de recursos em uma política tão complexa e espalhada em mais de 5500 municípios, com sua diversidade regional, traz muitas questões de caráter hermenêutico, sobre o que pode e o que não pode ser objeto de aplicação, como as tradicionais questões no Fundeb do pagamento de aposentadorias, essa equacionada no PL (Art.29), mas restando uma multiplicidade de questões, como instrumentos de fanfarra, custear a biblioteca escolar e tantas outras, naturais da dinâmica da gestão de recursos.   

Uma definição no PL de uma instancia dirimidora, a nível nacional, das questões de aplicação de recursos a luz dos art. 70 e 71 da Lei nº 9.394/1996(LDB)..  

 

 

Verifica-se, pelo exposto, a necessidade de um fortalecimento da definição do papel dos atores, frente a questão da peculiaridade de ser um fundo interfederativo (4), mas de gestão e prestação de contas a nível estadual, o que traz muitas questões de ordem prática na accountability, que poderiam ser solucionadas com dispositivos legais, dado que nesse sentido, o PL 4372/2020 mimetizou sobremaneira a Lei 11.494/2007, havendo a necessidade de considerar as inovações, fruto do aprendizado desses mais de 20 anos de sistema Fundef/Fundeb, e que as pesquisas acadêmicas podem contribuir nesse desiderato. 

 

Cabe registar ações relevantes dos órgãos de controle nesse sentido, como  atuação da CGU-Controladoria-Geral da União na avaliação sistemática da aplicação do Fundeb (BRASIL, 2013) e uma ação coordenada entre os tribunais de contas, que deu origem, na esfera federal, a um acórdão específico (BRASIL, 2014) sobre a implementação do Ensino Médio, uma experiência de fortalecimento do federalismo de cooperação (MELO,PASSOS ;2018),  que apresenta interessante sugestão a ser implementada pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), por meio da ação de modelar, coordenar e elaborar “processo de revisão de pares” entre os tribunais de contas dos estados e do Distrito Federal no sentido de identificar as melhores práticas de auditoria e atestação das despesas relacionadas ao Fundeb, em movimentos destes órgãos, apenas indicando dois destes, e que podem contribuir na reformulação da regulamentação do fundo no que se refere a sua accountability para além das sugestões aqui apresentadas.  

 

3.2-Controle Social 

 

O controle social é aquele exercido pela população no acompanhamento e na cobrança do poder público por efetividade e integridade, instrumentalizado pela transparência das políticas públicas (BRASIL;2009, 2011), e que se materializa por ações informais e por estruturas organizadas, como os conselhos.  

 

O quadro a seguir sistematizará a análise, pautada nas informações contidas em Bliacheriene et Al. (2017); Braga (2011,2016,2019); e Brasil (2009, 2011, 2013): 

 

Quadro II-Proposições de controle social 

 

Quesito 

Situação no PL 4372/2020 

Lacuna identificada 

Proposição 

Acesso à documentação  

O Art. 31 do PL, no que se refere aos conselhos municipais, os mais relevantes para o controle social na execução, mimetiza integralmente o Art.25 da Lei 11.494/2007. 

Apenas a disponibilização do acesso é insuficiente para a adequada governança, e não estabelece mecanismos adequados, em especial pelo fato do parecer previsto no Parágrafo único do art. 33 ser anual, de modo que seria desejável o estabelecimento de alguns pontos de controle envolvendo o conselho, de forma mais cotidiana.  

Inclusão de dispositivos que exijam: 1) Parecer do Conselho do Fundeb municipal  como componente avalizador  da liquidação (Art. 63 da Lei n ͦ  4.320/1964) definitiva de despesas custeadas pelo fundo e que tenham o valor global acima do limite disposto no inciso II, b, Art.23, da Lei n ͦ 8.666/1993, contando com a assessoria de especialista, se necessário; 2) ról de verificações obrigatórias a serem dispostas no parecer do Parágrafo único do art. 33 do PL, em especial em relação aos limites de aplicação de recursos para remuneração de profissionais de educação e despesas de capital, divulgação das licitações realizadas, processo de liquidação das despesas de valor acima  inciso II, b, Art.23, da Lei n ͦ 8.666/1993, sobre  as dificuldades de acesso aos dados da gestão por parte do conselho e sobre a pertinência das contratações em relação ao art. 70/71 da LDB.  

Infraestrutura 

O Art. 30 do PL, no que se refere aos conselhos municipais, os mais relevantes para o controle social na execução, mimetiza integralmente o Art.24 da Lei 11.494/2007. 

O § 10 do art. 30 do PL fala que os conselhos não terão estrutura própria, mas seria desejável a definição de um padrão mínimo de apoio, para que esse possa ser cobrado junto a prefeitura, na busca de se ter um standard.   

A definição de um padrão mínimo de apoio, tal como: i) sala própria; ii) computadores com acesso a internet; iii) possibilidade de utilização de automóvel da prefeitura ou locado para as visitas as escolas, entre outros. Tal padronização facilita o processo de cobrança do poder público, evitando dubiedades 

Composição e escolha 

O Art. 30 do PL, no que se refere aos conselhos municipais, os mais relevantes para o controle social na execução, mimetiza integralmente o Art.24 da Lei 11.494/2007. 

Ao repetir o padrão da Lei 11.494/2007, algumas situações restam ainda sem solução, como: i) Desequilíbrio na paridade do conselho municipal, com uma predominância do governo, dado que estabelece um mínimo de 9 membros, o que pode ensejar que se aumente os representantes do poder público por portaria municipal, gerando uma hipertrofia do poder público. Considerando-se um mínimo de 11 integrantes, com o CME e o conselho tutelar, pode-se ter apenas 4 representantes sem vinculo com o governo, o que afeta a autonomia do conselho pelo número de representantes com vinculo, e assim passíveis de serem pressionados pelo poder municipal; ii) O § 8 do Art. 32 não prevê o abono de faltas na iniciativa privada de atividades de conselheiro, o que inibe a participação da sociedade sem vínculo com a prefeitura, outro ponto ligado a autonomia; iii) O Inciso IV do § 5º do Art. 32 do PL não impede que os pais de alunos sejam servidores estatutários da prefeitura, o que também seria um tipo de  vínculo com o governo municipal, afetando a sua autonomia.  

Uma sugestão é que se incluam dispositivos que aumentem a participação de alunos e pais, de modo a reduzir a hegemonia do poder público no conselho, e ainda, que os pais e alunos do conselho não tenham nenhum tipo de vínculo com o governo municipal, e que tenham as suas faltas abonadas no seus ofícios privados, de forma expressa claramente na Lei, quando se tratar de atividade do conselho devidamente fundamentada. Tais medidas ampliam o caráter político-participativo do conselho, a sua grande força na garantia da efetividade do Fundeb.  

Denúncias e interação com órgãos de controle 

O Inciso I do parágrafo único do art. 31 do PL faculta ao conselho apresentar ao Poder Legislativo local e aos órgãos de controle interno e externo manifestação formal acerca dos registros contábeis e dos demonstrativos gerenciais do Fundo, a similitude da Lei 11.494/2007. 

O poder de encaminhamento não garante um tratamento diferenciado pelo órgão de controle daquela demanda, o que privilegiaria de forma salutar um instrumento especializado de controle social, como é o conselho. 

Uma ideia seria uma construção, sintonizada com o disposto na Lei nº 13.460, de 26 de junho de 2017, que ouvidorias de órgãos de controle tenham canais segregados para o atendimento de demandas oriundas dos conselhos do Fundeb, de modo a priorizar as demandas de um mecanismo especializado de controle social. Tais medidas ampliam o caráter político-participativo do conselho, a sua grande força na garantia da efetividade do Fundeb. 

Incentivo a participação social 

A similitude da Lei 11.494/2007, o PL não indica ações de publicidade de utilidade pública de fortalecimento do controle social do Fundeb, o que é um elemento essencial, dada a especificidade do fundo e a existência de peculiaridades de seu controle social, como a existência de um conselho de acompanhamento de controle e a aplicação dos recursos em situações específicas. 

A ausência ao incentivo da participação social da população fragiliza a atuação efetiva da população, em especial pelas peculiaridades do Fundeb, o que enseja ações de publicidade de utilidade pública específicas, que motivem o acompanhamento da gestão e que fortaleçam o conselho como instrumento de viabilização desse acompanhamento.  

Estabelecer que os atores realizem ações periódicas de publicidade de utilidade pública específicas, que motivem a população ao acompanhamento da gestão e que fortaleçam o conselho do Fundeb. Tais ações permitirão o engajamento da população no acompanhamento do fundo, dando visibilidade ao seu controle. 

 

O conselho do Fundeb é um assunto relevante, constando, inclusive, do monitoramento das metas do Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2020). Verifica-se a necessidade de alguns ajustes no desenho do conselho do Fundeb, aproveitando a experiência e os estudos desde a promulgação da Lei 11.494/2007, em um período marcado por avanços na discussão da transparência e do controle social Brasil (2009, 2011), em especial no que se refere a autonomia e o empoderamento do conselho, como instância especializada de controle social.  

 

Apenas para ilustrar, tem-se que as novas medidas contra a corrupção (MOHALLEM, BRANDÃO;2018) trazem como uma de suas proposições a criação do Sistema Nacional de Controle Social e Integridade Pública (SNCSI), com o objetivo de fortalecer e articular as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil, com vistas ao combate à corrupção e a promoção do controle social das ações do Estado, demonstrando a atualidade da importância do fortalecimento da articulação entre as instâncias formais de controle social, uma situação que poderia ser fortalecida pelas proposições apresentadas ao PL 4372/2020, em especial no que se refere ao incentivo à participação social e a tratamento desses conselhos de forma diferenciada pelos órgãos de controle, e ainda, pela criação de espaços virtuais de interação entre esses atores. 

 

3.3-Controle Internos 

 

Os controles internos são os mecanismos de governança adotados pela gestão dos atores municipais, estaduais e federal na implementação da política, de forma a assegurar o atingimento dos objetivos, oferecendo resposta aos principais riscos. As discussões aqui se prenderão a gestão municipal, dado que é nesse espaço que se faz efetivamente a implementação de maior parte da Política de Educação Básica, e os municípios tem grande deficiência de capacidades estatais (BRAGA, 2019), o que enseja o fortalecimento destes em várias dimensões, em especial na questão dos controles internos.  

 

O quadro a seguir sistematizará a análise, pautada nas informações contidas em Bliacheriene et Al. (2017); Braga (2011,2016,2019); e Brasil (2009, 2011, 2013): 

 

Quadro III-Proposições de controles internos 

 

Quesito 

Situação no PL 4372/2020 

Lacuna identificada 

Proposição 

Licitações e contratos 

Em que pese um grande ról de problemas noticiados na imprensa e pelas ações dos órgãos de controle, o PL não adota nenhuma medida específica de controle interno dos recursos do Fundeb nesse sentido.  

A ausência de mecanismos de controle interno para licitações e contratos, em especial que favoreçam a transparência desse processo, são essenciais para mitigar os riscos de contratos fraudados e superfaturados, o que onera o fundo e reduz a efetividade da política educacional.  

A similitude da boa prática disposta no  § 3º, Art. 1º, do Decreto Federal nº 10.024, de 20 de Setembro de 2019, uma boa medida seria estabelecer no PL dispositivo para que nas aquisição de bens e a contratação de serviços comuns com os recursos do Fundeb,  seja obrigado a  utilização da modalidade de pregão, na forma eletrônica. 

Gestão financeira 

Em que pese um grande ról de problemas noticiados na imprensa e pelas ações dos órgãos de controle, o PL não adota nenhuma medida específica de controle interno da gestão financeira, e que permita a rastreabilidade das despesas. 

A existência  de mecanismos de controle interno na rastreabilidade da gestão financeira são essenciais para mitigar os riscos de saques na boca do caixa e desvios de recursos por meio de pagamentos fraudulentos. 

De modo a trazer robustez a prática disposta no  Art. 2º, do Decreto Federal nº  7.507, de 27 de junho de 2011, uma sugestão seria estabelecer no PL dispositivo que exija a movimentação dos recursos exclusivamente por meio eletrônico, mediante crédito em conta corrente de titularidade dos fornecedores e prestadores de serviços devidamente identificados, limitando os saques em dinheiro por índices formais.   

Observância de percentuais 

A Emenda Constitucional nº 108/2020 inclui no Inciso XI doart. 212-A da Constituição Federal a determinação de que 70% dos recursos do Fundeb devam ser destinados ao pagamento dos profissionais da educação básica em efetivo exercício e um percentual mínimo de 15% para despesas de capital da complementação da União. Não existe no PL mecanismos de controle interno municipal que permitam assegurar o cumprimento desses dispositivos.  

A falta de mecanismos dessa natureza dificultam o cumprimento desses percentuais, e consequentemente afetam a remuneração docente, um elemento essencial para a valorização da educação, dentro do espírito do Fundef/Fundeb de promoção da qualidade educacional, assim como a vinculação de despesas de capital garante um incremento de infraestrutura para a atividade educacional, o que permite avanços em qualidade, consoante a ideia do chamado CAQI (Custo Aluno-Qualidade Inicial) e o CAQ (Custo Aluno-Qualidade), conforme (PINTO, 2000).  

Estabelecimento de publicação, até 30 dias da conclusão do quadrimestre, no sitio da internet da prefeitura, de Relatório sintético quadrimestral, assinado também pelo Conselho do Fundeb, e que indique os percentuais de atendimento dos índices de aplicação dos recursos previstos no Inciso XI do art. 212-A da Constituição Federal de 1988. 

Transparência 

Apesar do advento de normas, como a atualização da LRF e a Lei de Acesso à Informação, (BRASIL; 2009, 2011), que robustecem a ideia de transparência, o PL mantém o mesmo paradigma de publicidade dos dados da Lei 11.494/2007. 

Existe a necessidade de ajustar o PL aos novos cânones de transparência trazidos por Brasil (2009, 2011), com ferramentas adequadas e que permitam instrumentalizar o controle social, que é um dos pilares da governança no desenho descentralizado do Fundef/Fundeb. 

Estabelecer prazo para a criação de um Portal Nacional do Fundeb, alimentado pelos atores envolvidos com informações  de despesas realizadas, receitas auferidas, bem como situação da prestação de contas, nome dos conselheiros, detalhando as despesas no nível do beneficiário, atendendo o disposto em Brasil (2009, 2011), bem como no Decreto Federal nº  7.507, de 27 de junho de 2011, observando-se a padronização de dados abertos dispostas no  Decreto Federal nº 8.777, de 11 de maio de 2016. 

 

 

A transparência é o mecanismo de controle interno do fundo mais fácil de aprimoramento por uma norma de caráter geral, mas outras medidas específicas de respostas aos riscos de implementação na gestão financeira e de contratações são desejáveis também, mas dependem muito da peculiaridade de cada ente municipal. O fato é que muita coisa mudou desde 2007, e existe a necessidade de atualização frente aos avanços ocorridos desde a Lei 11.494/2007, em especial no que se refere a ampliação e instrumentalização da transparência do fundo, fortalecendo assim o seu controle social.  

 

Um portal único na internet em que se concentram todas as informações sobre compras realizadas pela administração pública é uma das propostas das novas medidas contra a corrupção (MOHALLEM, BRANDÃO;2018) e que são correlatas a ideia de um portal específico para o Fundeb, em especial pelo volume de recursos e capilaridade desse recurso, além de sua relevância social, demonstrando a relevância de um paradigma de grandes painéis nacionais.  

 

Em relação ao aprimoramento da governança na esfera municipal, destaca-se também que Braga (2016) propõe um mecanismo de ranking das estruturas de governança dos municípios, e incentivos para aqueles que atingirem um padrão mínimo. Um  mecanismos de governança multinível de grandes ações interfederativas, baseado em incentivos, no controle político, e que de forma pouco onerosa, podem auxiliar na qualidade da política nacional descentralizada, como disposto também por Braga (2019).

  

  1. Conclusão  

 

O artigo se propôs a analisar a principal iniciativa de regulamentação do Fundeb, após as lutas ocorridas no parlamento pela Emenda Constitucional nº 108, de 26 de Agosto de 2020, com a perenização do modelo Fundef/Fundeb, e que trouxe visíveis avanços na questão da equidade entre os atores da federação e o incentivo ao oferecimento de rede, por provisionar recursos por matrícula, mecanismos essenciais para a inclusão e qualidade da educação básica, visível nessas últimas duas décadas. 

 

Mas, além de um fabuloso instrumento de engenharia financeira, o Fundeb precisa se notabilizar por uma moderna estrutura de accountability, que permita a sua efetividade em um complexo ambiente interfederativo, e o artigo procurou, na consolidação de estudos sobre o tema, apontar algumas medidas concretas, já se debruçando sobre um projeto de lei no qual existe espaço de discussão e negociação para avanços nesse sentido.  

 

Ao adotar as categorias controle institucional, social e controles internos, privilegia a rede de atores chamada comumente de órgãos de controle, que depende da sinergia com a participação popular, mas todo esse esforço precisa reverter para o amadurecimento da governança no âmbito municipal, pelo fortalecimento dos controles no nível do gestor.  

 

Assim, aponta a necessidade de uma melhor definição na legislação que regulamentará o Fundeb dos papeis dos atores de accountability, em especial pela característica interfederativa do fundo; indica também a necessidade de reformulação de aspectos que empoderem e dinamizem a atuação dos conselhos, baluartes do controle social do fundo; e por fim, indica que o desenho de transparência do fundo necessita ser harmonizada com os avanços decorridos desde a Lei 11.494/2007, e que necessitam ser customizados as peculiaridades do Fundeb.  

 

A ideia de fundos para proteger a Política Educacional de flutuações temporárias, face ao seu caráter intergeracional, foi um sonho de Anísio Teixeira (1900-1971) e que teve seu florescimento na década de 1990, o que possibilitou a discussão presente sobre o Fundeb. Mas, as últimas duas décadas trouxeram a temática da adequada aplicação dos recursos públicos a um outro patamar de visibilidade, situação que reforça a necessidade de discutir e aprimorar mecanismos de governança, um caminho essencial para prevenir atos de improbidade, e ainda, para assegurar a efetividade dessa política.  

 

  1. Referências 

BLIACHERIENE, Ana Carla; LUCENA, Elisa Vanzella, BRAGA; Marcus Vinícius de Azevedo; OLIVEIRA JÙNIOR, Temístocles Murilo. Descentralização do Fundeb e federalismo da Política Educacional: uma análise à luz do conceito de accountability. Jornal de Políticas Educacionais, v. 11, n. 20. Semestral. Curitiba, 2017.   

BRAGA, Marcus Vinicius de Azevedo. O controle social da educação básica pública: a atuação dos conselheiros do Fundeb. 2011. 176 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Mestrado em Educação, Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília, 2011. Disponível em: https://repositorio.cgu.gov.br/handle/1/41970. Acesso em: 28 ago. 2020. 

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Notas de Rodapé: 

(1) Doutor em Políticas Públicas, Estratégia e Desenvolvimento (PPED/IE/UFRJ), Mestre em Educação na linha de Políticas Públicas e Gestão da Educação Básica (UnB) e Pedagogo (UFF). Autor de livros na área de controle governamental. O artigo representa a opinião do autor como pesquisador. 

(2) Sobre esse conceito, afirma Pessanha (2007, p. 141): (…) accountability, que implica manter indivíduos e instituições responsáveis por seu desempenho, ou seja, alguns atores têm o direito, por vezes o dever, de controlar o desempenho de outros atores segundo um conjunto de padrões preestabelecidos. Desse modo, é possível verificar se a atuação em questão está sendo operada dentro dos padrões e, caso contrário, impor sanções ou determinar responsabilidades. 

(3) Fundeb é mais de 50% dos gastos de educação em 2,3 mil municípios. Portal Metropoles. Disponível em: https://www.metropoles.com/brasil/educacao-br/fundeb-e-mais-de-50-dos-gastos-de-educacao-em-23-mil-municipios

(4) Conforme Braga (2020), temos no Brasil um “federalismo de inauguração”, o que dificulta a percepção de responsabilidades pelo sucesso ou não das políticas descentralizada, situação que se complica em um fundo com um desenho interfederativo, como é o Fundeb.