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Integridade e Valores Organizacionais: Cortina de Fumaça?
A questão da integridade nas Organizações Públicas reúne um conjunto importante de elementos estruturantes:
– O processo decisório que, para ser íntegro, requer atributos como transparência, foco em evidências e obediência às alçadas previamente definidas.
– A eficácia dos mecanismos de interlocução interna e externa que, para serem íntegros, devem possibilitar (a servidores, colaboradores, parceiros, clientes, contratados, usuários dos serviços e outras partes interessadas) a segurança, sigilo e proteção para a apresentação de denúncias, reclamações e manifestações, ainda que se refiram a altas autoridades dentro da organização.
– A gestão de riscos que, para ser íntegra, deve resultar de um processos sistemático e disciplinado que possibilite a identificação e revisão das incertezas estratégicas, operacionais e comportamentais às quais está sujeita a organização e seu adequado tratamento e mitigação de efeitos.
– A apuração e remediação de desvios éticos e da prática de irregularidades administrativas que, para serem íntegras, devem cumprir de forma satisfatória seus ritos, propiciando o contraditório e ampla defesa, e resultando na aplicação de penalidades proporcionais ao potencial ofensivo dos desvios ou ilicitudes.
Esses elementos estruturadores de um Programa de Integridade em uma organização pública são tangíveis, passíveis de detalhamento operacional. São verificáveis e auditáveis. É possível aferir se funcionam adequadamente ou não.
Há, no entanto, uma base intangível que deve (ou deveria) sustentar os Programas de Integridade: os valores organizacionais. De acordo com a Professora Juliana Porto, da UNB, os valores são representações cognitivas da necessidade das organizações em: 1) lidar com a relação indivíduo-organização, 2) mobilizar comportamentos apropriados para a organização e 3) estabelecer a relação entre a organização e o meio externo (vide artigo “Valores organizacionais e civismo nas organizações” em https://www.scielo.br/j/rac/a/BF3kfG8d3jsNxyr5GZJvztp/?lang=pt#).
Essa finalidade dos valores organizacionais trata basicamente das relações da organização com seus colaboradores internos e com os stakeholders externos e ainda dos comportamentos esperados dos indivíduos, que emularão a noção do comportamento da própria organização.
As organizações na verdade não “se comportam”. Ainda que costumemos afirmar que a empresa X fez isso ou aquilo e que o Ministério Y ou o órgão Z atuou desta ou daquela maneira, tratam-se de aproximações. Pessoas Jurídicas não “atuam” ou “se comportam” assim ou assado. Pessoas naturais agem, reagem, expressam comportamentos e tomam pequenas decisões diariamente. São as pessoas, no final das contas, que estabelecem (para o bem ou para o mal) a nossa percepção do comportamento (e, portanto, da integridade) de uma organização. Daí a importância dos valores. Não se trata de um discurso moral (apenas), mas da essência de qualquer iniciativa no contexto de um Programa de Integridade. A própria Professora Juliana Porto aborda a questão dos valores organizacionais em episódio específico do Podcast Prevenir (Programa de Integridade do Ministério da Economia), que pode ser conferido em https://open.spotify.com/episode/0ZyXOpXLPkfcIsm080zTq6?si=keO2J6weR1qH0dTGlFfCnw&utm_source=whatsapp&dl_branch=1
Há quem considere que os valores podem ser “palavras ao vento” que não produzem efeitos práticos concretos. Os mais cínicos dirão que os valores se constituem numa “cortina de fumaça” que resulta numa aparência de integridade que rapidamente se dissipa, mostrando a realidade (não tão agradável) desintegrada e carcomida das organizações.
A questão é que a sedimentação de valores organizacionais requer paciência pedagógica, disciplina para a reflexão permanente e esforço continuado de sensibilização e engajamento. Se os valores são os critérios basilares que orientam (ou devem orientar) o comportamento dos indivíduos numa organização, são lentes que devem ser utilizadas para examinar a realidade, possibilitar a adequada apreensão dos fatos, e sensibilizar o indivíduo (e as instâncias decisórias da organização) em cada situação específica, concreta e real.
Num exemplo simples, um servidor público pode evitar a postura de fraudar as informações de multas aplicadas por um órgão público:
– por ter receio de que seu “login” de sistema fique associado a essa alteração fraudulenta e que eventuais auditorias identifiquem esse procedimento irregular; ou
– pelo uso das lentes dos valores da “integridade” ou da “confiança” na análise da situação e pela convicção firme de que efetuar a alteração resulta numa mácula pessoal e organizacional.
Os mecanismos de coerção (receio de uma auditoria) e de convencimento (adesão aos valores) terão igualmente o condão de propiciar que no curto prazo o servidor público não ceda aos apelos da falta de integridade. No longo prazo, no entanto, são os valores organizacionais que sustentarão e replicarão o comportamento esperado. A possibilidade de coerção ainda existirá, mas o elemento determinante da escolha pelo indivíduo dentro da organização não será o medo, mas sim a adesão aos valores.
É essa a lógica e dinâmica dos valores organizacionais: propiciar adesão consciente, voluntária e coletiva a um conjunto de ideias “matrizes”, ou seja, conceitos fundantes de uma determinada organização.
No Ministério da Economia, os próprios servidores selecionaram 6 valores essenciais: Integridade, Confiança, Transparência, Excelência, Cooperação e Inovação (vide (1084) PREVENIR – Programa de Integridade – Valores do Ministério da Economia – YouTube). Em um órgão formado por 40 mil servidores, que atua sobre um escopo temático de elevada complexidade, os valores organizacionais são o recurso de primeira e última instância para possibilitar a percepção de identidade compartilhada por todos os que fazem essa organização.
Não há mágica. Não basta elencar os valores e divulgá-los por email-marketing ou quaisquer outras peças promocionais. Há que se refletir, repisar, arguir, redarguir, concluir, e começar de novo. Os valores organizacionais não fazem sentido como declarações universais, mas dão fruto quando, qual semente, encontram a terra fértil e molhada da reflexão humana. No final das contas, a questão da integridade sempre foi uma questão de pessoas, sobre pessoas e para pessoas.
Autor:
Francisco Bessa
Auditor Federal e de Finanças da CGU